O Nordeste está diante de uma “oportunidade diferenciada” de desenvolvimento e o grande combustível para que alcance outro patamar é a expansão das energias renováveis – e o papel chave que elas deverão exercer para a indústria do hidrogênio verde, o chamado “combustível do futuro”.
A análise é do superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Alfredo Renault, em passagem pelo Rio Grande do Norte para discutir estratégias na área e possíveis projetos.
O roteiro da visita teve como ponto principal o Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), sediado em Natal e principal referência do SENAI no Brasil em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) em energia eólica, solar e sustentabilidade. Renault é representante da ANP no Comitê Técnico Consultivo do Instituto.
“A energia solar e a eólica onshore (em terra) estão muito consolidadas e com um papel muito relevante no Nordeste, mas, no caso da eólica offshore (no mar) e do hidrogênio, ainda tem muito a ser feito e eu acredito que o Instituto SENAI de Energias Renováveis pode cumprir um papel importante no desenvolvimento tecnológico do que ainda está por vir”, disse.
Novas tecnologias como o hidrogênio verde, que estão no centro dos trabalhos que a instituição realiza, poderão, segundo ele, não só ajudar a reduzir as emissões de gases do efeito estufa no Brasil, mas possibilitar a exportação de energias limpas para outros países, abrindo novos caminhos para o desenvolvimento econômico.
A entrevista foi concedida em meio à agenda do superintendente no ISI, onde participou de reuniões, conheceu laboratórios e projetos realizados com empresas e instituições nacionais e estrangeiras. O superintendente também participou, na ocasião, do aniversário de 21 anos do Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER) do SENAI-RN, quando destacou, em discurso, o papel do Centro para o fortalecimento do gás no país e, nos anos que se seguiram, a contribuição para as energias renováveis, avaliadas por ele como “maior oportunidade que o país tem de reverter o seu desequilíbrio regional”.
Renault analisa que a região Nordeste, maior produtora brasileira de energia eólica em terra, deverá acelerar ainda mais na esteira dos futuros parques eólicos offshore e da energia solar, com a oferta necessária de insumos para uma das rotas de produção mais aclamadas do hidrogênio.
O produto, na avaliação dele, tem potencial de exportação e é impulso ao progresso não apenas dos pontos de vista tecnológico, científico e de educação.
“A possibilidade de exportação de energia é uma oportunidade imbatível para a região Nordeste”, frisa.
“A ANP tem o maior volume de verbas destinado à Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação no Brasil e nós, enquanto Instituto e centro de ciência e tecnologia que trabalha nas áreas de gás, energias renováveis e transição energética, analisamos que receber o superintendente da Agência para tratar de estratégias, possíveis projetos, e demanda do setor no país é fundamental para o sucesso do nosso ambiente de pesquisa e desenvolvimento”, disse o diretor do SENAI-RN e do ISI-ER, Rodrigo Mello, anfitrião do superintende na visita. A seguir, confira a entrevista de Alfredo Renault:
ENTREVISTA
Alfredo Renault | Superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da ANP
Renault, qual o objetivo da sua visita ao Rio Grande do Norte?
A ANP é responsável por um investimento em pesquisa e tecnologia das empresas de petróleo que, por determinação de contrato, têm que destinar 1% da renda bruta dos campos de petróleo para pesquisa no Brasil. Nós fizemos uma mudança de regulamento para incluir a possibilidade desses investimentos serem realizados em toda a cadeia de energias renováveis, hidrogênio e captura de carbono. Então, hoje, as empresas de petróleo que têm essas obrigações de investimento em pesquisa e tecnologia podem incluir projetos ligados à pesquisa na área de renováveis, captura de carbono e hidrogênio. A mudança de regulamento ocorreu há cerca de um ano e meio. E a minha função de coordenar essa área dentro da ANP é que me trouxe aqui para conhecer mais de perto os laboratórios do SENAI e para poder também discutir com a direção do Senai perspectivas de projetos que as empresas realizam em diversas instituições de ensino e pesquisa do país [veja imagens da visita ao SENAI-RN na galeria abaixo].
Como o senhor descreveria o cenário atual no setor de energias renováveis? Nós tivemos a fase de consolidação dos investimentos em terra e tem novas indústrias nascendo, do offshore e do hidrogênio. É um momento de ápice ou um momento de virada, por exemplo?
Eu acho que é um momento de grande ruptura do modelo de oferta de energia. Esse processo ainda está se iniciando. Pode levar até uma década para se consolidar. A solar e a eólica onshore estão muito consolidadas e com um papel muito relevante no Nordeste, mas no caso da eólica offshore e do hidrogênio, do ponto de vista tecnológico, ainda tem muito a ser feito e eu acredito que o Instituto SENAI de Energias renováveis, o ISI, pode cumprir um papel importante no desenvolvimento tecnológico para aquilo que ainda está por vir, em termos de utilização e aproveitamento da energia eólica offshore e do hidrogênio.
E por que o senhor enxerga esse papel no Instituto?
Primeiro porque é um centro dedicado a isso já a partir do seu nome. Segundo porque tem competência e infraestrutura para participar desse processo. E terceiro porque o Nordeste é chave nesse papel que as renováveis vão ter, cada vez maior no Brasil, com o potencial exportador de hidrogênio.
O que esse novo momento que se vislumbra pode proporcionar à região? O senhor falou durante a visita em possíveis reduções nas desigualdades regionais, por exemplo. Em que medida isso se daria?
Eu acredito que o Brasil pode ser um player global extremamente relevante nesse tema das renováveis e do hidrogênio, incluindo a eólica offshore, a eólica onshore e a solar, que ainda tem o que crescer. E sem dúvida nenhuma, pelas condições climáticas e pela proximidade com a Europa, eu acho que o Nordeste tem um papel dentro dessa oportunidade que o Brasil tem de ser um player global. Eu acho que o Nordeste pode vir a ter um papel extremamente relevante e eu acredito que essa seja uma oportunidade das melhores que a gente tem para romper com o nosso desequilíbrio regional, trazendo oportunidade de desenvolvimento para o Nordeste que inclui, obviamente, a parte de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação. A possibilidade de exportação de energia é uma oportunidade imbatível para a região.
O que o senhor classifica como oportunidade imbatível? O que esse setor, essa indústria, traz de perspectiva diferente de outras tentativas que já existiram no país de tentar resolver o gargalo que é a desigualdade? Por que que esse setor conseguiria?
Eu não tenho certeza se conseguirá, mas eu acho que é uma oportunidade, dadas as condições não só climáticas, mas da proximidade com a Europa. Eu acho que a gente tem aqui um celeiro para energias renováveis e para o hidrogênio que vai estar totalmente ligado ao desenvolvimento econômico, com potencial de geração de emprego, geração de tributo. Se, como tudo indica, avançar o caminho do Brasil como player global relevante dentro dessa nova construção da oferta de energia, o Nordeste tem tudo para, dentro desse papel do Brasil, ter uma posição de destaque. E aí eu vejo uma oportunidade diferenciada de todas as outras que a gente teve. Porque essa tem uma base de demanda econômica firme. Não se trata de uma ação pontual de tentativa de desfazer esse desequilíbrio regional, mas, sim, de uma coisa estrutural.
Quais são os principais desafios técnicos para essas novas indústrias?
Eu acho que a gente tem um desafio grande de logística. A gente tem também vários problemas técnicos da intermitência, que estão neste momento em análise. E, principalmente, o potencial de utilização dessas energias para produção de hidrogênio, que a médio prazo com certeza vai se consolidar.
No campo da ciência e tecnologia, considerando que o Nordeste virou a grande mola propulsora do setor de energia, mas nunca foi muito conhecido como polo de destaque no Brasil, como o senhor descreveria o papel da região para impulsionar essas novas indústrias?
Eu acho que o que está sendo feito do ponto de vista do sistema SENAI de inovação é um trabalho que está gerando muitos resultados Brasil afora. Acredito que tanto o ISI, em Natal, quanto outros centros do SENAI no Nordeste têm muita condição de participar desse jogo de uma forma equânime com o que nós temos no Sudeste do país. Esse caminho também está sendo feito em universidades da região e acredito que esse avanço do ponto de vista tecnológico e científico, na parte das renováveis, mais uma vez é uma oportunidade de as instituições do Nordeste estarem jogando no primeiro time nacional.
Do ponto de vista de oferta de pessoal qualificado, levando em consideração que a região importava mão de obra no início das eólicas e agora tem bastante gente formada e muita experiência na área, que análise o senhor faria?
Eu já começo a ver exportação de mão de obra formada no Nordeste para outros centros do Brasil, então o problema agora não é importar. O problema é não perder os quadros que aqui foram gerados – o que me parece ser um problema bem melhor do que faltar gente. As oportunidades nesses segmentos são crescentes em termos de educação, não só do ponto de vista das universidades mas também do nível técnico, em que o SENAI atua de uma forma forte, e eu vejo também nisso uma oportunidade diferente das outras, porque nós estamos falando de um segmento em que a base é estritamente econômica e em que a vantagem é a regional. O mercado está olhando essa oportunidade, está apostando nisso, está investindo, e naturalmente isso vai fazer com que, quando a questão do hidrogênio se consolidar, certamente seja no Nordeste que vão estar as principais plantas de hidrogênio. E obviamente nós vamos precisar ampliar esse esforço que está sendo feito de preparar a mão de obra qualificada, não só no nível técnico, mas também no nível de graduação e pós-graduação.
As plantas estarão no Nordeste por causa da oferta de energia eólica, principalmente?
E de solar também. Eu acho que esse trecho, da Bahia ao Ceará, pelo litoral, vai ser o trecho que muito provavelmente vai concentrar muitos dos esforços da área de produção de hidrogênio, no futuro. Ou pelo menos vai ser o trecho que tem grande oportunidade de concentrar isso.
A razão seria a infraestrutura portuária?
Um pouco, mas também porque é nesse entorno que a questão das renováveis está entrando com mais força. É nessa área que a gente percebe o movimento do mercado em direção a buscar maior produção e já, como é o caso das empresas de petróleo, de buscar projetos de desenvolvimento tecnológico.
O Rio Grande do Norte também está inserido nesse contexto ou o movimento é vislumbrado apenas nos estados vizinhos?
Me parece que esse é um reflexo que vai ser regional.
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