Educação profissional conquista novo marco regulatório

20/07/2020   13h32

A homologação de novos cursos demora quatro anos em média, o que atrasa a adaptação da oferta de formação às necessidades industriais

A 4ª Revolução Industrial vem transformando os processos fabris em todo o mundo com novos produtos, modelos de negócios e até profissões. A adoção de tecnologias avançadas demanda profissionais com qualificações específicas e constantemente atualizados. No entanto, as instituições de ensino profissional e tecnológico enfrentam barreiras para oferecer cursos e capacitações alinhados às necessidades do mercado.

 

Instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), que define suas ofertas de cursos técnicos a partir do diálogo com o setor industrial, precisam submeter as novas formações à validação do Ministério da Educação (MEC) antes de implementá-las. Às vezes, esse processo pode levar anos, inviabilizando o esforço por acompanhar as transformações na indústria.

 

Para evitar esse bloqueio de inovações no ensino profissional, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, por unanimidade, em meados de maio, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, que, até o início de junho, ainda aguardavam homologação do MEC para entrar em vigor.

 

Redução da burocracia

O texto traz grandes mudanças que beneficiarão diretamente o setor produtivo brasileiro. Atualmente, a aprovação de um novo curso pelo MEC demora, em média, quatro anos. Com as novas diretrizes, as instituições de ensino poderão abrir imediatamente um curso experimental. Após autorização e reconhecimento do Conselho Estadual de Educação, ele pode entrar automaticamente no catálogo de cursos oficiais da instituição.

 

A necessidade de reformas para as diretrizes curriculares da educação profissional e tecnológica ficaram ainda mais evidentes quando as novas diretrizes do ensino médio foram aprovadas, em 2018.

 

“Além de reduzir a burocracia para a formulação de cursos, e assim atender com maior agilidade a indústria, as novas diretrizes normatizam toda a educação profissional e tecnológica”, explica Rafael Lucchesi, membro do Conselho Nacional de Educação, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e superintendente-geral do Serviço Social da Indústria (SESI).

 

Segundo ele, “antes existiam duas diretrizes, uma para a educação técnica de nível superior e outra para a educação de nível médio, mas elas não olhavam para a qualificação técnica”. Agora, diz Lucchesi, “o CNE decidiu integrar tudo, passando a ter uma lógica mais coerente e abrangente, que vai desde os cursos de qualificação básica, como o de padeiro e o de carpinteiro, até  programas de mestrado e doutorado profissional, tudo na mesma diretriz”.

 

Rafael Lucchesi, que também é diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), participou ativamente das propostas aprovadas pelo colegiado do CNE e comemora os efeitos esperados das novas diretrizes.

 

“Será possível estruturar itinerários formativos de modo a abater créditos de um curso técnico de nível médio para um curso de tecnólogo, seguindo exemplos do que já acontece em diversos países, como a Alemanha”, explica.

 

Na avaliação da CNI, as novas diretrizes avançam em direção a um ensino mais moderno e conectado com as transformações que tecnologias como a inteligência artificial e a Internet das Coisas vêm promovendo na realidade industrial.

 

“Será possível estruturar itinerários formativos de modo a abater créditos de um curso técnico de nível médio para um curso de tecnólogo”, explica Rafael Lucchesi, que representou a indústria na discussão da reforma das diretrizes curriculares

Flexibilidade

Outro destaque das novas diretrizes é que elas preveem uma maior flexibilização do ensino a distância, o que facilitará a formação de profissionais e vai ao encontro das necessidades cada vez mais evidentes de ampliar a oferta de cursos não presenciais.

 

Pelas regras atuais, todas as instituições de ensino técnico e tecnológico são obrigadas a oferecer pelo menos 20% de seus cursos em formato presencial. As novas diretrizes modificam isso, permitindo que a complexidade e a especificidade de cada área tecnológica determinem o percentual de presencialidade na educação profissional técnica de nível médio e na educação profissional tecnológica de nível superior. Permite, inclusive, que apenas a parte prática seja realizada de modo presencial.

 

A mudança acompanha a transformação das profissões frente à 4ª Revolução Industrial. Em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus, a oferta de aulas a distância em cursos técnicos presenciais foi ampliada nos últimos meses e tem sido bem avaliada pelos estudantes.

 

“A gente cursava a modalidade presencial e teve que migrar para o ensino a distância. A princípio pensei que essa mudança não daria certo, mas deu”, diz José Félix Sobrinho, estudante do curso Técnico em Eletrotécnica no SENAI do Distrito Federal.

 

O instrutor do curso de manutenção automotiva João Paulo de Moraes, também do Distrito Federal, conta que é necessário apostar na criatividade e na tecnologia para migrar com êxito para essa nova realidade.

 

“A gente explica todas as dinâmicas e o aluno consegue criar, muitas vezes, uma oficina virtual, e até mesmo um procedimento com gamificação. Também usamos aplicativos para testes e avaliações”, explica João Paulo.

 

Eixos tecnológicos

As novas diretrizes curriculares também apresentam, pela primeira vez, áreas tecnológicas. Até então, o MEC trabalhava apenas com eixos tecnológicos para organizar a educação profissional técnica e tecnológica. Essa organização não retratava o conjunto de segmentações neles inserido.

 

Com o desdobramento em áreas, quando essa necessidade for identificada, será possível garantir maior identidade das ofertas de cursos com o setor produtivo, a partir do desenvolvimento de cursos customizados e mais aderentes às tecnologias de cada setor. A nova classificação vai possibilitar que as instituições de ensino criem cursos específicos direcionados a um determinado segmento, como o SENAI faz há muitos anos.

 

Dessa forma, há um estímulo à implementação de itinerários formativos flexíveis que contemplem a articulação de cursos e programas, inclusive os programas de aprendizagem profissional.

 

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