Uma foto registrada no Rio Grande do Norte, em uma sala de aula do SENAI – a 277 km de Natal – mostra a professora Joseneide Silva, de 34 anos, colorindo um pedaço de tecido em que se lê “aprecie as pequenas coisas”.
As letras foram cuidadosamente desenhadas pela estudante Luiza Vitoria, de Mossoró, que também aparece na imagem.
A menina faz parte do projeto Criativando, que, desde 2022, une Lettering, gestão e empreendedorismo no SENAI CETIB – um dos cinco centros de educação e tecnologias do SENAI no estado.
A iniciativa dissemina conhecimentos e novas perspectivas dentro e fora dos muros da escola.
“Uma experiência incrível”, nas palavras de alunos e alunas, que “ajudou no profissionalismo e também pessoalmente, agregou experiências em áreas como planejamento, marketing, logística e financeira”, criando ainda uma nova “paixão” para quem participa: a arte de desenhar letras para transmitir sentimentos.
Reconhecimento
Formatado entre as atividades do curso de Assistente Administrativo Industrial – com ideias somadas da turma e da professora – o projeto foi reconhecido nacionalmente no Prêmio SENAI Top Lean, vai virar case em artigo científico este ano e, na semana passada, foi aplaudido em um auditório cheio de professores e professoras, na primeira Jornada Pedagógica da instituição a reunir equipes que atuam em todas as escolas da rede SENAI no Rio Grande do Norte.
Joseneide, ou Josy, como é mais conhecida, contou a trajetória empreendida com um total de 17 jovens, de 14 a 23 anos, compartilhando com o auditório frutos que incluem mais estímulos para o aprendizado e, na esteira disso, uma pequena linha de produção de quadros, flâmulas decorativas, canecas, chaveiros e placas de jardim em que frases como “siga seus sonhos” e “seja grato” são criadas manualmente por cada participante.
“O projeto começou em 2022, pós-pandemia, quando tive as primeiras aulas presenciais e queria trabalhar algo novo, que impactasse aquele contexto, em que a maioria dos alunos têm origem em regiões periféricas da cidade e são de classe média baixa”, conta Josy.
Trabalhar a vivência profissional dentro de uma sala de aula, ou seja, levar para alunos e alunas a ideia de prática sem que estivessem dentro de uma empresa, era a tarefa que estava diante da professora.
Foi dentro desse contexto que a turma recebeu a missão de levar ideias para a sala de aula que mostrassem criatividade na questão e incentivassem o trabalho em equipe.
A inspiração que encontraram estava nas redes sociais da própria Josy. Ela estava aprendendo a fazer Lettering como hobby, para aliviar a tensão da pandemia.
“A minha professora pediu que fizéssemos três palavras ou frases e postassemos. Eu escrevi gratidão, você consegue e faça você mesmo. Uma das minhas alunas viu o post e disse ‘professora, ensina a gente a fazer. Ensina a gente a fazer aquelas letras bonitas’ e eu nem sabia se eu tinha capacidade daquilo porque eu também era aluna”.
Uma arte
O Lettering é definido como a arte de desenhar letras artisticamente em palavras ou expressões. “Não é só pegar um papel e desenhar uma letrinha bonita”, diz Josy. “Tem uma técnica, uma metodologia, os tipos de fontes que a gente pode usar, o jogo de letras”, acrescenta.
Uma forma de arte-terapia, de expressão, que estudos na área apontam como opção em prol da saúde mental e do bem-estar.
No projeto que nasceu e cresceu no SENAI, outra vantagem que se viu foi a de ser chamariz para aprendizagem prática, por exemplo, de ferramentas das chamadas metodologias ágeis, em síntese, técnicas para gestão de projetos que possibilitam mais rapidez, eficiência e flexibilidade.
“Utilizamos o Canvas, Kanban, para a divisão de responsabilidades, e também o design thinking para trabalhar com protótipos, nesse caso, as artes”, disse Josy.
O trabalho com a turma começou com mão na massa, em uma oficina de Lettering para inteirar todo mundo sobre a técnica. “Começamos com algumas palavras e o ‘você consegue’, que foi a frase que eu fiz e postei no Instagram, eu levei também para eles”, conta a professora.
“A gente conseguiu fazer um trabalho muito legal e eu disse: vamos montar uma empresa de lettering, porque há aqui um mundo de possibilidades”.
A definição de quais materiais seriam usados, a elaboração de ação, visão e valores da empresa, um plano de marketing, identidade visual e muitos momentos no laboratório de informática foram alguns dos passos que a turma deu na sequência.
Um perfil no Instagram foi criado inicialmente para a ação. “Aquele aluno que ficava olhando o TikTok deixou o TikTok de lado e passou a pensar formas de como fazer vídeos para gerar movimento ali dentro da nossa página”, relembra Josy.
O projeto foi ganhando corpo. Mas não foi o único para onde o grupo canalizou energias.
Em uma campanha de “absorventes solidários”, que estimulou a doação do produto para meninas da escola, a turma fez a arte de caixinhas distribuídas nos banheiros femininos. Cada pessoa na ação escreveu uma parte da frase estampada nelas: “juntas somos mais fortes”.
Protagonismo
“As nossas leis de educação falam que o aluno tem que ser protagonista e o que a gente está fazendo é trazer o protagonismo do aluno. A educação funciona assim, saindo da sala de aula. Não mais encaixadinha. A gente vê isso todo dia”, disse Adriana Medeiros, supervisora pedagógica no SENAI CETIB, durante a apresentação do Criativando na Jornada Pedagógica.
Filomena Silva, também supervisora pedagógica na escola, completou: “Carlos Drummond de Andrade, muitos anos atrás, falava dessas inovações de maneira muito romântica e simples. Quando ele escreveu o poema “Para Sara, Raquel, Lia e todas as crianças”, ele esperava que um dia a escola instigasse essas crianças a aprender e a aprender a fazer. Nós temos essa ideia comum e temos a estrutura, excelentes professores e com essa mão de obra de excelência que contamos para que iniciativas como essa transcendam esses muros”.
O projeto que nasceu em Mossoró, dentro da sala de aula, deu origem a uma feira de arte e empreendedorismo aberta à população com palestras sobre identidade visual, a importância do marketing estratégico com especialista em marketing e a importância do empreendedorismo, com o Sebrae. Também teve exposição de produtos criados pela turma, além de oficinas de lettering, canva, macramê, crochê, artesanato, bordado e aquarela.
A iniciativa inspirou ainda inovações em outras turmas, como o Café & Cia, um momento de bate-papo dentro da escola com profissionais e empreendedores convidados para falar de temas como carreira, mercado de trabalho, tecnologia, inovação e importância, para a saúde mental, do equilíbrio entre vida profissional, pessoal e os estudos.
“O Criativando, que foi o pontapé inicial, tem o objetivo de ser multidisciplinar. É a gente de gestão entrando em parceria com os demais colegas da instituição e montando algo bem maior do que o que nasceu em uma sala comigo e os meus alunos”, diz Josy.
O projeto, frisa ela, trouxe várias transformações. “Ele mudou completamente até a minha forma de fazer sala de aula. De aprimorar os meus princípios, de entender que o menos é mais e a gente pode fazer. A tecnologia é muito importante, mas às vezes a gente não vê potencial em uma coisa mínima – e a gente pode fazer daquele mínimo um sucesso”.
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